Café...tudo de bom!

29.1.20

Depoimento de Escravos Brasileiros


Em julho de 1982, o estudante de história Fernando de Mello entrevistou Mariano dos Santos, ex-escravo nascido entre 1870 e 1880 que, alegre e gentilmente, falou de seu passado. O depoimento é muito importante, pois revela que os escravos brasileiros tinham um código lingüístico próprio, além de preciosas informações para uma melhor compreensão do escravismo colonial. Aqui está um pequeno trecho da entrevista:


E: E o feitor batia, sem mais nem menos?

M: Batia! E ali não tinha, não podia parar. Então, é o que eu conto: rançando raiz de pinheiro, raiz de madeira, arando terra, cultivando. E se fosse madeirinha fina, cada madeira! Que agora só no sertão que tem. Caviúna, ipê, aquele pau-de-alho, alequim, chifre-de-carnero, madeira que prestasse, dava pra fazer um cabo de machado… Não tinha o que não tivesse naquele mato. O roçador que dissesse, hoje, “eu tiro doze e meia”, não tirava. Não tirava nem a metade. (…) Tirando duas, três por maçada. Cortando a madeirada dura – que agora não tem pra qui – tirava a metade de doze e meia. Podia ser o roçador que fosse! E naquele tempo ninguém trabaiava pra si. Trabaiava só pra eles. Pros feitores, pros chefes. (…) Trabaiava pra comida. Pra comida que comia e era assim que se trabaiava.

E tinha que trabaiá… Os que não agüentavam mais de idade eles pinchavam (colocavam) num paiolzinho veio. Daí, a comida era por semana. Se comesse tudo antes de entrá a outra semana… E reclamasse pra ver… Porque eles faziam o que queriam.



E: Os escravos tinham muita raiva do feitor, do senhor?

M: Pois é. Tinha, porque era sofrimento. Tava passando fome, trabaiando diariamente, os dia todinho. Até pra comê era de pé. Não tinha descanso. Então, e se ele o feitor soubesse que qualquer um reclamou, eles mandavam pegar, argemado e amarrado no meio do terrero – que lês diziam tronco… E ficava o dia, tivesse frio, tivesse garoa de vento do mar, sol. Ficavam amarrado o dia todinho. E se não se aquebrantasse, pousava (dormia), amarrado, argemado, oco. Se garrava o mar (fugisse), porque não agüentava a judiaria – saía. E vinham de tráis, com a faca bem apontada, furavam as solas dos pés. Ficava que a mesma coisa que a pessoa tá descalça, pisando numa touceira de espinho, tudo aonde catuca aqueles espinhos dói. Então, ficava com os pés patinhando…

E no tempo dos escravos, e depois dos escravos, da escravidão mesmo, inda passei fome. Porque, depois da libertação, nóis saímo. Saímo sem nada – sem recurso, só com a roupa do corpo.


                                                      

OS SAPOS



~Manuel Bandeira ~

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”


paz...


A LIÇÃO DA ESPERANÇA



Manuel Bandeira, o respeitado poeta brasileiro, se expressou de forma sincera: “Como dói viver quando falta a esperança”.

A falta de esperança predispõe ao suicídio. Os deprimidos graves atentam contra a própria vida pelo sentimento de desesperança.

Dante Alighieri colocou os suicidas no centro do inferno, por terem cometido o maior de todos os pecados, a perda da esperança.

Certo sacerdote católico nos disse que considerava a esperança uma virtude maior do que a fé. Justificou sua opinião assim: “Muitos suicidas têm fé, pois em carta endereçada aos pais falam em Deus e pedem perdão. O que eles perderam é a esperança.”

O apóstolo Paulo, ao apresentar aos cristãos de sua época as três virtudes que ele considerava as mais importantes, colocou a esperança ao lado da fé e da caridade.

O cristão sincero jamais desanima, combate a desesperança e o tédio com rigor e não aceita “entregar os pontos” ou “jogar a toalha”.

A história das irmãs Mariana e Ana Maria de Castro, de 26 anos, residentes em Manaus, fala por si mesma. As gêmeas amazonenses ficaram 24 anos sem andar e sem falar por causa de uma doença neurológica que se manifestou quando as duas tinham dois anos de idade, após uma febre muito alta e convulsão. Elas viveram, todos esses anos, deitadas e para se comunicar com a mãe elas piscavam os olhos. O diagnóstico feito à época era de paralisia cerebral.

A família é humilde e mora num bairro pobre de Manaus. Sobrevivem da aposentadoria de uma delas. A mãe é analfabeta e lava roupa para fora para ganhar um dinheiro extra que serve para a manutenção da casa e compra de alimentos.

Há dois anos, elas foram examinadas por uma nova equipe de neurologistas e levantou-se uma nova possibilidade diagnóstica, uma doença caracterizada pela falta de dopamina no cérebro. Elas foram então medicadas com drogas usadas no tratamento da doença de Parkinson, que agem aumentando os níveis cerebrais de dopamina, e para surpresa geral voltaram a falar e andar.

Dona Socorro, a mãe das meninas, declarou que essa foi uma das maiores emoções de sua vida, ver as filhas andando e se alimentando sozinhas.

A ciência, às vezes, realiza também seus milagres. Mas o maior de todos os milagres é a disposição interior de confiança e perseverança. Deus vela por nós e na hora certa a sua presença se manifesta.

                                                             
                                                                    Refletindo...

16.6.17

Amizade é como esmola: pouca ou muita, não se recusa


De: Otto Lara Resende Para:Francisco Iglésias

Mutuamente magoados por um desentendimento que ameaçava a amizade de muitos anos, alimentada por meio de mais de trezentas cartas em que trataram sobretudo de literatura e história, Francisco Iglésias e Otto Lara Resende buscam esclarecer o episódio que desencadeara a questão na troca de missivas que se reproduz aqui. Esta é a resposta de Otto à carta de Iglésias escrita em 18 de fevereiro. Os dois superariam por completo o problema.

Bruxelas, 21 de fevereiro de 1958

Iglésias,

Recebi hoje de manhã a sua carta. Afinal, por que me zanguei tanto com você? Porque você veio a Paris e não se lembrou sequer de me avisar onde estava, em que dia chegava etc.[1] Senti-me frustrado e perdemos uma boa oportunidade para nos encontrarmos e batermos um papo. Admito que minha carta, escrita em cima da bucha, ao primeiro movimento de exaltação, tenha sido antipática, irritante e até grosseira, do que, sinceramente, me penitencio. Foi, porém, uma reação franca, certamente desabrida, mas de amigo, magoado com o que julguei sua indiferença por um possível encontro nosso. É admissível que eu tenha então, até agora, superestimado a sua amizade por mim. Amizade é como esmola: pouca ou muita, não se recusa. Eu contei sempre você entre os meus melhores amigos. Não vou agora discutir esse episódio e azedar a nossa conversa. Fiquei, acredite, sinceramente desgostoso com tudo isso. Poderia responder à sua carta com uma volta aos fatos, que, a meu ver, me dão razão. Você abandonou os fatos e me mandou uma carta que, confesso, me surpreendeu. Seria melhor que você se tivesse zangado abertamente, quem sabe generosamente. Em todo caso, tudo isso se desculpa: você está viajando, deve ter feito a carta também ao primeiro impulso etc. Permita-me apenas que estranhe a desconfiança que você manifestou na minha amizade e no meu interesse por você. Isto me espantou! A minha própria reação nesse episódio não se justificaria, nem teria surgido, se a sua desconfiança tivesse qualquer sombra de veracidade. Pense de cabeça fria e conclua.

Enfim, não faltarão outras oportunidades para que a gente se encontre. De minha parte, julgando com sinceridade que a razão estava de meu lado, esqueço esse incidente e, sem ironia (recurso que eu detesto), se você me permite, até o perdoo. Aconteceu, passou. Você me disse uma vez, há anos, que o sofrimento moral é mais insuportável que o físico. Espero que eu não lhe tenha causado mágoa insanável ou duradoura. A amizade, para mim, vale mais do que Veneza.

Receba, pois, o abraço velho do seu amigo de sempre

Otto.

P.S.: Espero receber um cartão-postal seu de qualquer parte da Europa.

Responder falando:[2]

a carta dele, o fim…
a minha… em parte
“amadurecemos…”
o que significou…
o desinteresse dele e o meu…
Já encerrado. O que fomos
e o que somos.

Arquivo Otto Lara Resende / Acervo IMS.


[1] N.A.: Relendo sua carta, verifico que você informou, sim, o dia em que chegava. Retifico, pois.
[2] N.S.: Anotações feitas a lápis por Francisco Iglésias no verso da carta.

Paz e Luz!

30.11.16

Lo sé de cierto porque lo tengo visto // Bem sei porque o tenho visto


**LO SÉ DE CIERTO PORQUE LO TENGO VISTO**


Mi amor son estas islas y cayos
que el sol, los vientos, el aguacero acosan.
Mi amor son estos trazos de líneas imprecisas
— aves y aperos, reptiles o ramajes —
en un mapa pequeño.


Amar estas imágenes
que reducen a límites menores
mi mirada, mi voz y mi memoria,
nadie lo dude, duele
hasta tocar el fondo de uno mismo.


¿y es que frente a este esbozo
de contornos geográficos
no se siente otro amor por las distancias?
¿No nos atraen lejanas otras lindes?


Miro el mapa que mis niñas dibujan
en un cuaderno nuevo.
Cuán mayores ya son estas abuelas
Que, en sillones de mimbres, entre almohadones
nos relatan memorias de sus luchas:
las guerras, los ciclones, la familia.


¿Qué antiguas e inocentes estas islas,
que mi razón exaltan,
para que no queramos oírles otra historia?
Mi amor son estas tierras
y son también mi angustia.


(De: Campo de amor y de batalla, 1963-1982) 



**BEM SEI PORQUE O TENHO VISTO** 


Meu amor são esta ilhas e recifes
que o sol, os ventos, o aguaceiro encurralam.
Meu amor são estes traços de linhas imprecisas
— aves e selas, répteis ou ramagens —
num mapa pequeno.


Amar estas imagens
que se reduzem a limites menores
minha memória, meu olhar, minha voz,
ninguém duvide, dói
até tocar o fundo de cada um de nós.


Será que diante deste esboço
de contornos geográficos
não se sente outro amor pelas distâncias?
Não nos atraem outras longínquas fronteiras?


Olho o mapa que minhas filhas desenham
num caderno novo.
Como estão velhas essas vovós
que, em poltronas de vime, entre almofadões
nos relatam memórias de suas lutas:
as guerras, os ciclones, a família.


Que antigas e inocentes estas ilhas,
que minha razão exaltam,
para que não queiramos ouvir delas outra história?
Meu amor são estas terras
e são também minha angústia.

(De: Campo de amor y de batalla, 1963-1982)


**PABLO ARMANDO FERNÁNDEZ**
(1930)
Salterio y lamentación (1953) apresenta este poeta, oriundo de um meio provinciano que se assombra diante do bosque humano da cidade grande. Em 1955 Eugenio Florit faz o prólogo de Nuevos poemas. Um contato rápido com o origenismo na década de 1950 talvez lhe tenha oferecido recursos para Toda la poesía (1961) e para Himnos (1962), tão distantes, no entanto, do círculo do famoso grupo de poetas. O tom elegíaco entremeado com o conversacional ama­durece em Libro de los héroes(1964). Em 1970 aparece Un sitio permanen­te, depois compilado em Campo de amor y de batalla (1984). O mais impor­tante de sua obra poética se encontra em El sueño, la razón (1988). Pablo Ar­mando é um importante romancista e membro destacado do coloquialismo cubano.

Salsa Cubana! Vídeo hit mix compilation ►Charanga habanera,Havana de Primera



Cuba hermosa de ritmos calientes, hombres y mujeres hermosas.

¡Muy, muy lindo!

Ritmo cubano



Belíssimo!



Carta de Fidel Castro a Hugo Chávez



Esta carta foi entregue por Fidel Castro a Lula em outubro de 2004, para que ele entregasse em mãos a Hugo Chávez. Esta carta contém instruções detalhadas de todos os procedimentos necessários para tomar o poder e transformar a Venezuela em ditadura comunista. O áudio está em espanhol e a transcrição em português,

Sabemos Hugo que para conseguirmos acabar com o imperialismo americano teremos de fazer as coisas bem feitas, Os Árabes já estão prontos, Lula já está trabalhando no Brasil.

E as FARC estão alinhadas contigo.

Primeira Etapa

“Os pobres são maioria e têm pouca memória”. Injete-lhes esperança e acuse o passado, à Democracia de todos os seus males. Mantém-se alinhado permanentemente com o povo, Identifica-te com eles. Teu jeito de se expressar tem de ser bem simples; isso lhes gera confiança, pois tens o tempero que faltava. Emocione-os, leve-os em consideração. Aprenda a manipular a ignorância. Tuas palavras devem ser inflamadas e mostrar poder; não te preocupes com os ricos e a classe média, pois esses são a minoria e tu não necessitas mais do que 80% dos pobres. Os ricos sairão correndo se lhes falares: "Buu!!!"

Os católicos adoram menções da Bíblia ou de Cristo. Os católicos, em que pese serem a grande maioria na Venezuela, não farão nada. Apenas rezarão, sem ações concretas, não irão chegar a lugar algum; são uns bobalhões. Enquanto a igreja estiver adormecida, aproveite.

Quando decidirem se mover, já te terás te instalado. Lembre que a igreja é “escorregadia”. Siga fustigando-os. Os católicos sem liderança não serão ninguém.

Nenhum padreco irá reagir. Talvez dois ou três queiram rebelar-se, porém seus superiores os encurralarão. Se vires um sacerdote católico agitador, compre-o, chame-o para conversar, ganha-o para ti; se o povo cristão se rebelar, então esse será o teu último dia... Porém, dificilmente esse dia virá. Os judeus na Venezuela, estes não contam, os evangélicos são uns pobres coitados e as demais religiões são tão poucas que nem vale a pena comentar? 

Quando falares a alguém, sempre cite Jesus Cristo, lembro que para mim isso sempre deu excelentes resultados.

Inclua bandeiras e cite Simón Bolívar sempre que possas. Gere um novo nacionalismo. Desperte o ódio e divide os venezuelanos. Esta etapa te dará bons dividendos... Se matarão entre eles, esta violência também te ajudará a instalar-te à força mais tarde. Entretanto, sempre falando de democracia. Com dinheiro, compre a fidelidade enquanto cumpres os teus objetivos. Quando conseguires tudo o que queres se se opõem a ti ou mesmo os que te aconselham, despreze-os. Envie-os as embaixadas, dê-lhes dinheiro para que se calem ou tire-os do país para que a imprensa não os utilize. Aos que se oporem a ti, que se oponham

“FORJA” delitos; isso os desqualificara para sempre. Use todos os meios para manter a maioria no senado. Mantenha sempre a teu lado no mínimo à procuradoria e o judiciário.

Compre todos os militares com cargos de comando de tropa e equipamentos. Coloque-os em lugares onde haja bastante dinheiro. Compre banqueiros, os grandes comerciantes e os construtores. Dê-lhes contratos, trabalhos e facilidades para esta primeira etapa.

Segunda Etapa

Para a segunda etapa tens que haver formado Comitês de Defesa da Revolução que serão chamados de “Bolivarianos”. Faça trabalhos comunitários com eles para que te defendam agradecidos. Paga-lhes para que sigam teus alinhamentos (marchas e concentrações). Dos comitês selecione os mais exaltados para uma força de choque armada que poderás necessitar se a situação ficar difícil. Controle a Polícia, destrua-a. Ponha-a à tua disposição. Na segunda etapa tens que aprofundar a visão da Revolução. Deve-se mencionar muito a palavra revolução. Isto emociona os pobres.

Aqui tens que quebrar a união dos trabalhadores e a dos empresários que possam fazer oposição. Aqui teremos que conseguir com que os trabalhadores sejam filiados a uma central paralela. Com dinheiro isso pode ser conseguido. Do mesmo modo, terás que armar uma central de empresários paralela. Ataca os empresários. Acuse-os de serem gananciosos, fascistas e especialmente acuse-os de golpistas; te faça de inocente.

A mente dos homens se fixa no mais fraco e onde haja injustiça. Se não conseguir comprá-los feche os meios de comunicação rádios, jornais e emissoras de TV. Tua empresa de petróleo é quem irá produzir o dinheiro do projeto. Nomeie uma Junta Diretora Revolucionária. Demita os técnicos e acabe com a chamada meritocracia.

Terceira Etapa

Se tiveres conseguido tudo até esta etapa poderás seguir para a terceira. Na terceira etapa deverás violar a Constituição porque ninguém te impedirá. Ordene invasões. Distribua armas, drogas e dinheiro. Acuse-os de espiões e corruptos. Desprestigie-os. Prenda muitos jornalistas, empresários, líderes trabalhistas. Os demais fugirão do país ou serão presos.

Reestruture teu gabinete. Aqui já podes desfazer-te de teus colaboradores. A alguns podes até premiá-los e a outros desprezá-los pois já não há oposição. Terás que pôr somente “camaradas”. Faça tudo constitucionalmente (com a nova constituição(palavras minhas), instale o estado de exceção, suspenda as garantias civis, lance o toque de recolher. Aja rápido, observe se o povo está achando excelente. Feche todos os meios de comunicação. Destitua Prefeitos e Governadores da oposição.

Anuncie a reestruturação de todas as áreas do estado e a elaboração de uma nova constituição. Forme um Conselho de governo com 500 membros. No Conselho assessor do governo estarei eu. Será melhor fuzilar os opositores que não aprendam. Isso é a única coisa que os silencia e é mais econômico. 

Nunca deixes que se organizem, nem deixes que conheçam as tuas intenções. Seremos respeitados novamente com o Marxismo-Leninismo. O Brasil, o Equador, a Venezuela e Cuba serão indestrutíveis. 

Se eu ver que tu não tens colhões, recolherei todo o meu pessoal, pois os militares podem mata-los se te prenderem, acontecerá se não me ouvires.

“Que estás esperando, Hugo?”

Nota: Todas estas “orientações” mereciam destaque em negrito, pela monstruosidade aí contida, por isso privilegiei apenas algumas palavras e o trecho final que fala claramente no Eixo do Mal, tão veementemente negado por “seu” Lula, pelos “intelectuais orgânicos”, imprensa “amiga” e “companheiros de viagem” do Brasil e do mundo. Que isto nos sirva de alerta vermelho, pois a Venezuela está muito próxima de efetivar esta Terceira Etapa e nós já demos muitos passos dentro desta perspectiva medonha e criminosa.

Fonte: 



12.8.16

A Casa Demolida


Seriam ao todo umas trinta fotografias. Já nem me lembrava mais delas, e talvez que ficassem para sempre ali, perdidas entre papéis inúteis que sabe lá Deus por que guardamos.

Encontrá-las foi, sem dúvida, pior e, se algum dia imaginasse que havia de passar pelo momento que passei, não teria batido fotografia nenhuma. Na hora, porém, achara uma boa ideia tirar os retratos, única maneira — pensei — de conservar na lembrança os cantos queridos daquela casa onde nasci e vivi os primeiros vinte e quatro felizes anos de minha vida.

Como se precisássemos de máquina fotográfica para guardar na memória as coisas que nos são caras! 

Foi nas vésperas de sair, antes de retirarem os móveis, que me entregara à tarefa de fotografar tudo aquilo, tal como era até então. Gastei alguns filmes, que, mais tarde revelados, ficaram esquecidos, durante anos, na gaveta cheia de papéis, cartas, recibos e outras inutilidades.

Esta era a escada, que rangia no quinto degrau, e que era preciso pular para não acordar Mamãe. Precaução, aliás, de pouca valia, porque ela não dormia mesmo, enquanto o último dos filhos a chegar não pulasse o quinto degrau e não se recolhesse, convencido que chegava sem fazer barulho.

A ideia de fotografar este canto do jardim deveu-se — é claro — ao banco de madeira, cúmplice de tantos colóquios amorosos, geralmente inocentes, que eram inocentes as meninas daquele tempo. Ao fundo, quase encostado ao muro do vizinho, a acácia que floria todos os anos e que a moça pedante que estudava botânica um dia chamou de "linda árvore leguminosa ornamental". As flores, quando vinham, eram tantas, que não havia motivo de ciúmes, quando alguns galhos amarelos pendiam para o outro lado do muro. Mesmo assim, ao ler pela primeira vez o soneto de Raul de Leoni, lembrei-me da acácia e lamentei o fato de ela também ser ingrata e ir florir na vizinhança.

Isto aqui era a sala de jantar. A mesa grande, antiga, ficava bem ao centro, rodeada por seis cadeiras, havendo ainda mais duas sobressalentes, ao lado de cada janela, para o caso de aparecerem visitas. Quando vinham os primos recorria-se à cozinha, suas cadeiras toscas, seus bancos... tantos eram os primos!

Nas paredes, além dos pratos chineses — orgulho do velho — a indefectível "Ceia do Senhor", em reprodução pequena e discreta, e um quadro de autor desconhecido. Tão desconhecido que sua obra desde o dia da mudança está enrolada num lençol velho, guardada num armário, túmulo do pintor desconhecido.

Além das três fotografias — da escada, do jardim e da sala de jantar — existem ainda uma de cada quarto, duas da cozinha, outra do escritório de Papai. O resto é tudo do quintal. São quinze ao todo e, embora pareçam muitas, não chegam a cumprir sua missão, que, afinal, era retratar os lugares gratos à recordação.

O quintal era grande, muito grande, e maior que ele os momentos vividos ali pelo menino que hoje olha estas fotos emocionado. Cada recanto lembrava um brinquedo, um episódio. Ah Poeta, perdoe o plágio, mas resistir quem há-de? Gemia em cada canto uma tristeza, chorava em cada canto uma saudade. Agora, se ainda morasse na casa, talvez que tudo estivesse modificado na aparência, não mais que na aparência, porque, na lembrança do menino, ficou o quintal daquele tempo.

Rasgo as fotografias. De que vale sofrer por um passado que demoliram com a casa? Pedra por pedra, tijolo por tijolo, telha por telha, tudo se desmanchou. A saudade é inquebrantável, mas as fotografias eu também posso desmanchar. Vou atirando os pedacinhos pela janela, como se lá na rua houvesse uma parada, mas onde apenas há o desfile da minha saudade. E os papeizinhos vão saindo a voejar pela janela deste apartamento de quinto andar, num prédio construído onde um dia foi a casa.

Olha, Manuel Bandeira: a casa demoliram, mas o menino ainda existe.

Texto extraído do livro "A casa demolida", Editora do Autor — Rio de Janeiro, 1963, pág. 09.

Sobre esse livro, disse o autor: "Este livro é, ao mesmo tempo, uma continuação, uma variação e uma nova edição de "O Homem ao Lado", o primeiro e único livro de crônicas que publiquei com meu verdadeiro nome. Explico: uma continuação porque nestas páginas o leitor encontrará várias crônicas que deixei de publicar na edição de "O Homem ao Lado"; uma variação porque as crônicas comuns aos dois livros foram — quase todas — revistas, reduzidas umas, ampliadas outras; e nova edição porque talvez 40% das crônicas de "A Casa Demolida" figuraram nas páginas de "O Homem ao Lado".

A época em que foram escritas é comum aos dois livros, isto é, entre os anos de 1952 e 1955, salvo uma ou outra de tempo mais recente que achei por bem incluir nesta nova coletânea. Enumerar os jornais e revistas onde foram publicadas seria fastidioso, tantos e tais foram os jornais e revistas nos quais colaborei."

Sérgio Porto 
Stanislaw Ponte Preta

Com Licença Poética


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

*Adélia Prado*